quarta-feira, 31 de dezembro de 2014

Desejo de ser outono



Tempestades e furacões não duram, meu bem
Não quis ser isso
Em maio é outono
E eu quis ser um dia inteiro
Quis te esquentar aos poucos
Até queimar sua pele
Iluminar seus olhos
E te fazer abrir o sorriso
Quis que as seis da tarde
Em um piscar repentino
Meus olhos mudassem
E que de noite te desejasse
Usasse a noite fria como desculpa
Me esconder no seu peito
Enrolar minhas pernas nas suas
Até que eu não soubesse mais
Onde a minha pele acaba
Onde a sua começa
O que sou e o que é você
Nessa cama de folhas secas
Nesse abraço entre trens

sábado, 27 de dezembro de 2014

É natal de novo




É Natal de novo. Sempre faz frio no Natal. Não importa quanto quente esteja o ano, no Natal sempre faz frio. E se não tem Edward fazendo nevar, aqui chove. 

É Natal de novo. Momento de assistir "Edward, mãos de tesoura". "Você tem algo meio Winona Ryder." 

É Natal de novo. Detesto Roberto Carlos, mas sempre choro no especial. "Me leve pra casa, (...) me conte uma historia"

É Natal de novo. Mas nesse Natal tem menos presentes no pé da árvore. Eu não ganharei os presentes grandes que sempre ganhei. Meus pais não tentam mais expiar a ausência deles com presentes grandes. Hoje sou eu que faço ausência. Agora entendo o relógio de ponto cobrando a presença deles. Ele não respeita datas especiais. 

sexta-feira, 19 de dezembro de 2014

Os verbos da polícia




Na plataforma um menino de quatro anos abraça um dos policiais que fazem cena fingindo proteger as pessoas que embarcam e desembarcam nas estações de metrô. O policial pega o menino no colo e pergunta o nome dele:

            - Pedro. Vou ser policial um dia!

            Abaixo a cabeça e peço para que a cena seja ilusão. Mas o menino existe e seu herói é um policial, representante de uma instituição que em momento nenhum protege. Prende, espanca, mata... Esses são os verbos dela. Esses são os verbos do herói do menino...

sábado, 13 de dezembro de 2014

Semana



            Na segunda acordei olhando pra ti. Contra toda a lógica eu acordei deitada sobre o meu ombro que sempre reclama do meu peso e vendo teus olhos fechados e escutando teu “bom dia”.
            Na terça, na quarta e na quinta você trabalhou e minha carência sussurrou no meu ouvido: “ele não te quer mais...”
            Na quinta te liguei e te chamei pra tomar o café da manhã comigo na sexta-feira. Você aceitou.
            Na sexta tomamos um frapuccino no café em que ficamos pela primeira vez. Discutimos o capitalismo e você mordeu minha coxa. Andamos de mãos dadas, fomos no correio e no metrô você deixou sua blusa comigo. Quando eu voltava pra minha casa recebi sua mensagem: “adorei te ver hoje...”
            Assim que sábado começou você decidiu que era melhor não ficarmos mais juntos, sermos apenas amigos e me fez a declaração mais bonita que já li.
            No domingo eu assisti a “Flores raras” e me senti Bishop. Voltei pra casa cantando:
“O que a gente vai fazer dessa paixão?
Distraído coração
Eu fiz festa pra esse amor a noite inteira
E amanhece a ilusão”

*versos da música "Até você passar", cantada pela Greice Ive 

sábado, 6 de dezembro de 2014

Inventei ela pra desejar



            Ela veio com um vestido vermelho de alcinha. O tecido era leve, do tipo que não se deve ser usado para sentar em banco de concreto. Mas ela estava lá, sentou-se e cruzou as pernas do jeito de índio. O vestido levantou mais do que devia e agora eu via a pinta na coxa direita e achava lindo. Ela encostava o joelho sobre a minha perna desavisada de que aquilo me atiçava o desejo. Ria alto jogando a cabeça pra trás, falava alto e mexia as mãos – chamava atenção e me sussurrava um “desculpa” entre sorriso quando eu pedia para ela ser menos, como se me dissesse que só sabia ser daquele jeito. 

            Ela chama atenção e todos querem conhecê-la, eu sei disso porque foi assim comigo. Mas metade dos que querem conhecê-la não terão coragem de nem sequer se aproximar. Ela ri quando digo isso, digo que conheço no mínimo quatro pessoas que adorariam tomar café com ela. Ela ri, olha desconfiada e responde que não conhece nenhum. Pergunto por que ela não namora. Ela ri de novo, o sorriso grande, e responde que não nasceu pra isso. Eu nunca vou entender, mas também acho que não teria como ser eu ao lado dela. O problema é ela ser em abundância e é exatamente o que a torna atraente. O que gosto dela é como ela parte sozinha, pisando firme como se desfilasse de braços dados com a solidão e gostasse disso.