segunda-feira, 15 de agosto de 2016

Apontamentos sobre a insegurança


me atinge no meio do dia
sem aviso prévio
uma certeza
de que você amou
mais que a mim
todas as outras mulheres

Jabaquara


viagem
tédio
e o zunido do ônibus
noturno
era preciso acender a luz
pra ler um livro
medo de atrapalhar os outros que
dormiam
sempre esse
medo de atrapalhar os outros
cedi
nas luzes laranjas do túnel
quentes
dormi
e o zunido do ônibus
tornou lembrança
zunido do mar
de cor azul fria
que meus pés não aguentavam
imaginado
dentro da concha

Bicicleta azul


é preciso que meu ouvido doa
inflame com o vento
pra eu acreditar que minhas
pernas ainda tem força pro
pedalo
apesar do meu joelho que
vêzoutra falha no meio do
makuru
que a bicicleta correndo pela orla
teus cabelos de cachos tão pequenos
contra o vento
não é sonho
ainda que eu já tenha sonhado mas
o céu cinza e não
azul
a imperfeição desses momentos
da quebra de clímax com
gargalhada
e a minha ferida atrás da orelha
e a coceira na dobra do joelho esquerdo
lembram que existe
o real
Quero voltar pros dias de calmaria. Sem choro convulso. Os dias à beira da praia. Passando frio ou sentindo o sol queimar a minha pele. Sem a preocupação de bater o ponto sem atraso no dia seguinte antes do sol nascer. Com a única preocupação de escolher que comida gostosa vamos almoçar e se dá tempo de cochilar antes do almoço. Quero de volta os dias sem o emprego público que eu nunca quis, mas que é a única opção pra pagar o aluguel no fim do mês e ter alguma "liberdade", pra pagar o almoço gostoso, os shows pra lavar a alma no fim de semana, as viagens à praia pra ver o mar e lembrar dos seus sonhos. Quero de volta tudo o que não seja esse medo de tudo o que existe fora desse quarto e a incapacidade de cumprir com as responsabilidades dessa vida mediana a qual a gente tenta sobreviver dia após dia. Quero de volta os dias de café na cama e você sentado na janela. Quero de volta os dias de carnaval, de show de Cícero, Maurício Pereira, Mahmundi e Aláfia. Quero de volta os dias de Ribeirão Pires, Paraty e Peruibe. Quero tudo que não seja aqui.

Esqueleto de lagartixa


foi de propósito
a lagartixa
que eu esmaguei no portão de
casa foi de propósito
eu sei que
disse foi sem querer
mas a vi pequena antes de
bater o portão
contra o batente
brincar de deus e
sentir mesmo que
sobre outro
corpo o meu
controle já que
meu corpo não
me pertence
e pensei
que se o portão esmagou
lagartixa podia
muito bem
esmagar o meu dedo mindinho
quinze dias sem trabalho e tempo
pra pensar
se pulo ou nao na
frente do trem
inventar pra mim um
deus que alivie
porque não
é possível tanta
lágrima em um
só peito
e hoje tem no
batente do meu portão
o esqueleto esmagado
do que já
foi lagartixa